O processo de uma análise
- Raquel Marinho
- 28 de fev. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de jan.
Aproveitarei a trama do filme “Hannah e suas irmãs” (1986), dirigido por Woody Allen, cujo trecho será exibido mais abaixo, para comentar sobre o processo analítico. No enredo, o foco recai sobre Mickey, interpretado pelo próprio cineasta, quando confrontado com a suspeita de uma doença grave e a possível iminência de sua morte. Imerso em intenso sofrimento, Mickey empreende uma busca por sentido em sua vida, explorando os encontros com seus pais, sua ex-mulher e suas recordações. Ele até mesmo busca ajuda junto aos religiosos, na esperança de crer em um deus, mas falha ao tentar justificar a própria existência.

A ironia, característica das narrativas de Allen, é que a suspeita não se confirma, ou seja, não há nada no diagnóstico final de Mickey que indique que ele vá falecer. Apesar disso, sua dor não é aliviada. Ele persiste enlutado e entristecido diante da inevitabilidade da degeneração corporal e da impossibilidade de alcançar plenitude em seus relacionamentos consigo mesmo e com os outros.
No desfecho do filme, Mickey, decidido a encerrar sua própria vida, encontra-se na sala de sua casa com um revólver apontado para a testa. Ao apertar o gatilho, o nervosismo e o suor extremos fazem-no agitar o braço, errando a mira. A bala, ao ser disparada, atinge o espelho, que se quebra. Assustado, Mickey reage saindo de casa sem rumo, vagando pelas ruas de Nova York. Finalmente, encontra-se sentado na poltrona de um cinema, diante da imagem, projetada na tela, de homens que fazem comédia, provocam risos e sabem rir de si mesmos.
(Fonte do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=850cBZX8-2c)
Posso dizer que a quebra do espelho se assemelha ao que ocorre no percurso de uma análise: a ruptura de uma imagem idealizada do que deveríamos ser e que nos faz sofrer, visto que não corresponde à realidade que experimentamos no corpo e nas relações que estabelecemos com as pessoas. Enquanto, no filme, é o evento dessa quebra que liberta Mickey da dor, permitindo a vida, na análise, é a efetivação processual dela que também nos liberta do sofrimento, possibilitando o riso e as realizações, apesar de nossas falhas.